Apresse-se!


White Rabbit (Coelho Branco) - Alice in Wonderland (Alice no País das Maravilhas) - 
Imagem: Animação/Disney 1964


E-mail, Skype, Facebook, mensagens de voz... Uff! São tantas coisas rápidas que facilitam nosso cotidiano corrido que muitas vezes nos perguntamos como viveríamos sem tais aparatos tecnológicos.
A problemática, porém, vai além da tecnologia: compramos cada vez mais alimentos congelados, pré-assados ou pastéis oleosos na feira, com medo de que não consigamos comer no tempo livre do horário de almoço. A pressa é tanta que, por vezes, mal mastigamos. O horário da refeição que antes era sagrado na cultura brasileira, passa a adotar uma personalidade contrária à japonesa, que até então sempre fora vista como rápida e insensível. Os japoneses, porém, ainda mantêm o hábito de comerem sentados, ainda que seja só para tomar um sorvetinho.
São tantas informações sendo veiculadas ao mesmo tempo em que - pasmem! Um avião caiu sobre Santos. Ah, vocês já sabem da história. Com certeza sabem!
A velocidade da informação ainda é discutida como uma das origens da insensibilidade coletiva no meio virtual. É vista como a vilã que faz com que, em um dia de sábado, você fique em luto pelo seu artista favorito ter falecido e, no dia seguinte, esteja rindo com os amigos e publicando 'selfies' nas redes sociais.
Tudo ao mesmo tempo. Não percebemos, porém, que transformamo-nos cada vez mais no temido Coelho Branco de Alice: Apresse-se! Apresse-se! O tempo já não é mais apenas uma característica; passou a ser a função vital da nossa existência.
Nos consultórios, a resposta dos médicos para os pacientes que tratam problemas gerados ou agravados por conta da ansiedade (como gastrite - popularmente conhecida como 'gastrite nervosa' -, transtornos psicológicos e outros) é quase sempre a mesma: 'Pois é, quem não é ansioso hoje em dia, não?'.
A rotina começa desde cedo, desde a política do despertador. 'Só mais cinco minutinhos'. Os preciosos cinco minutinhos que, por vezes, fazem com que nos atrasemos. O fretado já foi embora, e talvez se você tivesse ido nele, provavelmente teria dormido no caminho e ido parar no outro lado do mundo. Você opta por um táxi e, nessa escolha, não precisa chamar por ele acenando com o braço ou gritando no meio da rua. É só instalar um aplicativo em seu celular e pronto: você tem a rodoviária em suas mãos.
Na fila do hospital, não existe mais aquele bate-papo rápido sobre 'como foi o seu dia?' com o paciente da frente. Há senhas: aparatos tecnológicos em forma de papéis que são distribuídos com o objetivo de agilizar o processo de atendimento e eliminar a fila. O que não ocorre na prática. Ficam todos sentados, olhando para as paredes, com os fones de ouvido e lendo alguma mensagem no celular. A maioria dá sempre uma espiadinha no relógio de pulso, bufa e provavelmente pensa em quão lento o processo o médico deve ser.
Na internet, as imagens valem mais que os textos longos e duradouros. No twitter, por exemplo, sua vida resume-se a alguns poucos caracteres que nada dizem, nada descrevem. A marcação é direta e as palavras tornam-se símbolos entre 'hashtags'.Nas escolas, os professores tentam convencer os alunos de adotarem um perfil literário por meio de adaptações, que são excelentes meios para que mais jovens possam inserir o hábito da leitura em suas vidas. Mas esta, que deveria ser uma iniciação à vida acadêmica, torna-se uma desculpa para alguns que não sentem a necessidade de ler as obras na íntegra, fazendo com que muitos conteúdos importantes se percam no meio do caminho. Isso quando realmente leem as obras adaptadas, pois em realidade, a maioria lê apenas os resumos encontrados na Web.
No aeroporto, a situação não é diferente: corremos para deixarmos tudo pronto. O passaporte tem que estar pronto no dia, o visto também. Tudo ajeitado. Comemos com pressa e medo de não conseguirmos embarcar. Na viagem, quando o tempo de permanência é curto, deixamos de apreciar paisagens para tirarmos fotos e publicarmos posteriormente. Por vezes, perdemos aquilo de mais interessante: o conhecimento cultural, o contato com os nativos e o enriquecimento de um determinado idioma ou de histórias locais.
Ao aprendermos uma língua estrangeira, procuramos sempre os métodos mais rápidos e eficazes. Não fazemos uso contínuo da língua, nem nos preocupamos com formalidades e informalidades. Em um consenso geral, poucos se preocupam com habilidades e competências desenvolvidas especificamente. A maioria crê que ou você tem tempo suficiente para ler bem, ou tempo suficiente para falar bem. Poucos ainda acreditam que ainda exista a dominação real de um idioma estrangeiro em função de habilidades como ler, escrever, falar e ouvir bem, em função do pouco tempo de estudo que os alunos têm tido.
O questionamento, porém, não deve ser feito diretamente à tecnologia, mas sim aos usuários dela. Até porque, os dias não estão mais corridos e nem dando sensação de que estão mais rápidos apenas pela velocidade da informação tecnológica, mas também pelas mudanças culturais que têm afetado boa parte da população mundial. Soa desnecessário, mas é da manutenção de pequenos contatos humanísticos do nosso cotidiano que podemos incluir - ou eliminar gradativamente - um pouco mais de socialização em nossas vidas. E se você leu este texto todo, sem usar e abusar da leitura rápida utilizada na maioria dos vestibulares, parabéns! É sinal de que ainda temos esperança que a Rainha, enquanto vida, não corte nossas cabeças.

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