Não foi só o Twitter: relembre banimentos de Trump na Twitch
Não foi só o Twitter: relembre banimentos de Trump na Twitch
Thayla Bicalho Bertolozzi*
No dia 07 de janeiro de 2021, Trump foi banido do Twitter. Logo em seguida, debates sobre os limites da liberdade de expressão emergiram. No entanto, esta não foi a única vez em que ele teve sua conta banida de alguma plataforma digital: em junho de 2020, o presidente norteamericano já havia tido sua conta banida temporariamente pela Twitch, plataforma de streaming (para transmissão de jogos, principalmente) pertencente à Amazon. Recentemente, após a medida mais recente do Twitter, a Twitch novamente baniu sua conta. O que explica, então, ações de banimento tão recorrentes, e quais os limites e as motivações por trás disso?
Para responder às questões, recorro à minha pesquisa de mestrado, vinculada à USP. Nela, tenho analisado casos de discriminação e desinformação em canais brasileiros e estadunidenses da Twitch, sobretudo ao longo de períodos eleitorais – tanto aqueles já banidos permanentemente e que repercutiram na mídia, quanto aqueles que já foram denunciados e/ou sofreram alguma suspensão temporária. Resumidamente, são três pilares de análise distintos, mas que se complementam: observo as interações entre streamers e outros usuários, assim como seus perfis (inclusive políticos, por meio de enquete e entrevistas); a atuação de organizações da sociedade civil e da própria Twitch (em seus Termos de Serviço, Diretrizes e ações) para sanar a questão; e os aspectos legais domésticos, bem como acordos internacionais, que podem tratar do tema.
Quanto à primeira pergunta, é preciso retomar o primeiro banimento de Trump junto à Twitch, quando foi acusado de publicar “hateful content” (conteúdo de ódio). De acordo com os Termos de Serviço da plataforma, ao usar seus serviços, o utilizador estará sujeito às Diretrizes da Comunidade. Além disso, sobre o conteúdo dos usuários, os Termos também compreendem que “atividades políticas” (como compartilhar opiniões, participar de atividades, distribuir endereços de acesso a comitês, solicitar doações a políticos e outras) estão permitidas, desde que sujeitas aos Termos e às Diretrizes.
Figura 1. Trump é banido da Twitch
Há, ainda, “condutas proibidas” também dispostas nos Termos, e que compreendem a criação, o carregamento, a transmissão, distribuição ou armazenamento de qualquer conteúdo "impreciso, ilegal, infrator, difamatório, obsceno, pornográfico, invasor de privacidade ou direitos de publicidade, assédio, ameaçador, abusivo, inflamatório ou de outra forma questionável", além de vedar o uso de seus serviços para "[...] qualquer finalidade ilegal ou em violação de qualquer lei ou regulamentação local, estadual, nacional ou internacional [...]". Por fim, os Termos também preveem o total acordo com as Diretrizes.
Nessas diretrizes, além de menções específicas quanto à infração da lei, burlar suspensões, ter comportamento autodestrutivo, cometer violência e ameaças, spam, fraude ou outras condutas maliciosas (incluindo desinformação) e outros pontos, há um parágrafo completo sobre conduta de ódio e assédio, entendendo estas como conteúdos e atividades que discriminem, difamem, assediem ou violentem com base em "raça, etnia, cor, casta, origem nacional, status de imigração, religião, sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência, condição médica grave e status de veterano". Segundo a plataforma, existe "tolerância zero" para essas condutas.
Sendo assim, uma vez que a plataforma identificou “conteúdo de ódio” advindo do canal de Trump, em um primeiro caso, entende-se o porquê de seu banimento. Para além de outros mecanismos legais domésticos e internacionais, os próprios mecanismos da plataforma já haviam disposto o tratamento para tais condutas. Portanto, em relação à primeira pergunta, pode-se concluir que a recorrência do banimento se deu, na realidade, graças ao contexto das invasões violentas ao Capitólio nos Estados Unidos, no último dia 07. Após outras plataformas - como Twitter, Facebook e Instagram - optarem pela medida, a Amazon fez o mesmo - refletindo tal ação na Twitch. Segundo nota do porta-voz da plataforma, a motivação seria evitar que o site pudesse ser usado para "incitar mais violência", provavelmente considerando a imensidão de perfis com posicionamento político favorável ao presidente.
Respondendo à segunda pergunta sobre os limites da medida, é preciso ter em mente que nenhuma ação cometida, tanto pela Twitch como pelo Twitter, pode ser vista enquanto censura. Afinal, as plataformas não impediram, previamente, a publicação, ou submeteram conteúdo a um exame anterior. Conforme afirma Francisco Brito Cruz (InternetLab), sobre o segundo caso, ao Gizmodo, em momento algum o Twitter insinuou que Trump não teria liberdade para publicar o que publicou, "[...] mas sim que o uso daquele serviço está gerando consequências na vida real" - consequências graves, violentas e que ferem a ordem democrática vigente. Por conseguinte, entendemos que a ação está dentro dos limites possíveis e em conformidade com o direito de liberdade de opinião e de expressão expresso, inclusive, no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Em relação à terceira questão, é fato que as motivações para os banimentos são muitas – desde a não-adequação aos Termos de Serviços e às Diretrizes da Comunidade da Twitch, até a tentativa de tornar tais plataformas menos propensas a instigar violações de direitos humanos na rede e fora dela. Com constantes atualizações, os Termos e as Diretrizes da Twitch tentam se adequar, cada vez mais, ao debate público, ainda que, por vezes, seja necessária a atuação, por meio de denúncias, de coletivos de minorias engajadas em tornar o espaço virtual mais equitativo.
Paralelamente, também é preciso lembrar que Renan Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, foi banido permanentemente da plataforma Twitch, em maio de 2020, após violar as políticas contra conduta de ódio e fake news, alegando que a covid-19 era só uma “gripezinha”, dizendo para os usuários irem às ruas, e que preferia “morrer transando a morrer tossindo”.
Ou seja: a realidade da decisão sobre o presidente estadunidense não está desconectada da realidade brasileira. Pelo contrário: em rede, está mais conectada do que nunca. Se as invasões ao Capitólio geraram debates sobre como serão as próximas eleições presidenciais brasileiras, levantando a possibilidade de que o mesmo ocorra em território nacional, também é preciso cobrar, das plataformas digitais, que a apuração de denúncias a conteúdos semelhantes aos que culminaram no banimento de Trump e Renan Bolsonaro seja intensificada (em canais de personalidades políticas e de todos os demais usuários, respeitando, porém, os limites da liberdade de expressão), assim como fortalecer a efetivação do Marco Civil, da Lei Geral de Proteção de Dados e investir na fiscalização de financiadores de bots e cidadãos que propagam ódio e desinformação, antes que seja tarde demais e que a história se repita em 2022, nas próximas eleições brasileiras.
Originally published on Internacionauta, in Feb. 2021. All rights are reserved to the author.
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